Por David Parsons, Vice Presidente e Porta-Voz Sênior da ICEJ
Traduzido por Ester Hansen

Oficiais israelenses participaram de algumas reuniões marcantes com líderes árabes regionais ao longo dos últimos anos, em virtude do avanço diplomático proporcionado pelos Acordos Abraâmicos. Mas, a “Cúpula do Neguev”, no final de março, foi unicamente histórica e significativa por diversas razões.

Ben Gurion grave
The grave of David Ben Gurion, Israel's first prime minister, at kibbutz Sde Boker in the south. Photo by Moshe Shai/FLASH90

O Local
Para começar, Sde Boker, o local da reunião, está carregado de simbolismo. É um kibbutz pequeno e isolado no sul do deserto do Neguev onde a lendária figura sionista David Ben-Gurion se aposentou, no final da vida, para promover sua visão de que o desenvolvimento do Neguev era o futuro de Israel. O primeiro-ministro fundador da Israel moderna sabia que a hostilidade árabe em relação ao novo estado judeu era forte demais na época, então ele buscou uma estratégia de formação de alianças com as nações “periféricas” como a Turquia e o Irã. Mas, ele também tinha esperança de que a inovação israelense poderia recuperar a esterilidade do Neguev de tal maneira que por fim atrairia as nações árabes para o lado de Israel. A Cúpula do Neguev foi uma concretização dessa visão, originalmente inspirada pela promessa bíblica de que o deserto, um dia, “desabrocharia como a rosa”. (Isaías 35.1) 

O local da Cúpula também foi significativo devido a que o Neguev, hoje, ainda é um território de fronteira, onde tribos beduínas locais estão desafiando as autoridades israelenses pelo controle da região. Tem havido tensões e conflitos com a polícia nos últimos anos, à medida que várias gangues de beduínos se envolvem com tráfico de drogas, roubo de gado judeu e outras atividades criminosas. Então, ter líderes árabes participando de uma cúpula de elevado perfil no Neguev foi um sinal importante para aqueles que estão buscando minar a autoridade de Israel nesta região.

Os Participantes
A Cúpula do Neguev também foi significativa devido àqueles que tomaram parte nela. Isso incluiu os Ministros de Relações Exteriores do Bahrein, Egito, Marrocos e Emirados Árabes Unidos (EAU). O Bahrein e os EAU são ricos estados árabes petrolíferos que foram os signatários originais dos Acordos Abraâmicos com Israel. São progressivos e almejam tornar-se um centro para a economia global emergente, a qual eles entendem é impulsionada, em parte, pela tecnologia israelense.

Enquanto isso, o Marrocos é mais tradicionalista, mas vê grandes benefícios em expandir suas conexões com Israel. E o Marrocos também é o detentor do portfólio “Guardião de Jerusalém” dentro da Organização de Cooperação Islâmica, de modo que sua participação carregou um peso adicional em favor de Israel na permanente disputa religiosa e diplomática sobre Jerusalém.

Adicionalmente, a participação do Egito foi outro passo chave em sua aceitação calorosa aos Acordos Abraâmicos. Claro, Cairo já tem um tratado de paz com Israel desde 1979, mas sempre foi considerada uma paz fria, com pouca aceitação verdadeira e pouco contato entre pessoas. Ainda assim, isso começou a mudar, agora com o Presidente Abdel-Fattah al-Sisi que anteriormente canalizou o espírito dos Acordos Abraâmicos, quando recebeu graciosamente a Ministra de Energia de Israel Karine Elharrar em sua cadeira de rodas, quando sediou uma recente conferência regional sobre energia. O aquecimento do Egito com relação a Israel também tem sido motivado pela estreita cooperação de segurança e inteligência das FDI na longa batalha do Cairo com as milícias islâmicas que operam no Sinai.

De maneira coletiva, esses Estados árabes sunitas também estavam reconhecendo a realidade de que Israel tem uma relação especial com a América e uma “influência” única em Washington, algo que eles procuram alavancar para benefício próprio.

Finalmente, a presença do Secretário de Estado dos EUA Antony Blinken mostrou que a administração Biden percebe claramente as mudanças regionais positivas trazidas pelos Acordos Abraâmicos. Até agora, a equipe Biden deu crédito relutante à administração anterior de Trump por gerar os Acordos, mas isso sinaliza que eles finalmente estão prontos para construir de maneira ativa sobre o impulso que os Acordos criaram.

Também é significativo quem não estava lá – a Jordânia e os Palestinos. Como o Secretário Blinken recordava constantemente às partes, os Acordos Abraâmicos não podem substituir um vínculo direto entre Israel e os Palestinos. Mas o líder da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas permaneceu em Ramallah ainda remoendo sobre como esses outros líderes árabes “traíram” a sua causa ao seguir adiante com a normalização das relações com Israel.

A ausência da Jordânia também foi amplamente notada, uma vez que o Rei Abdullah continua a se esquivar dos Acordos Abraâmicos, em grande parte devido ao medo da maioria palestina que reside em seu reino. Em vez disso, ele visitou Abbas em Ramallah naquela mesma semana. Não obstante, tem havido um fluxo constante de figuras importantes do governo Bennett-Lapid que se reuniram com Abdullah nos últimos meses, numa tentativa de manter a relação única de Israel com Amã.

Por último, a Arábia Saudita também não estava presente em Sde Boker. Ainda assim, imediatamente após a Cúpula do Neguev, o Secretário Blinken conversou com sua contraparte saudita para atualizá-lo quanto aos desenvolvimentos. Riyadh não está completamente pronto para normalizar abertamente as relações com Israel, mas há sinais de uma cooperação silenciosa ali. Isso inclui os sobrevoos comerciais israelenses em território saudita, assim como a reunião secreta que foi relatada entre o ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman, que recentemente se referiu a Israel como um “aliado potencial”.

O Propósito
A Cúpula do Neguev também foi significativa pela substância do que foi discutido ali. Primeiramente, ainda é uma raro ver líderes israelenses e árabes simplesmente se sentarem e conversarem abertamente sobre o futuro da região. Não foi somente sobre segurança e comércio, mas muitos outros tópicos foram discutidos.

Mas, mais importante, Blinken enfrentou uma frente unida contra a revitalização do acordo nuclear com o Irã. Tanto Israel quanto os Estados árabes sunitas se sentiram, de certa forma, abandonados pelas administrações de Obama e agora de Biden quando o assunto é a crescente ameaça iraniana na região. A ironia aqui é que sempre que Washington se envolve em apaziguar o Irã, isso só impele ainda mais essas nações árabes para os braços de Israel.

Os governantes árabes sunitas viram um primeiro-ministro israelense desafiar um presidente americano em exercício ao direcionar-se ao Congresso quanto aos perigos de um Irã nuclear. Eles também ficaram impressionados em testemunhar como Israel contra-ataca com força o Irã e suas milícias representantes regionais, enquanto os EUA apenas retaliam contra os ataques iranianos se estes infligem baixas. Além disso, eles viram os muitos sucessos de Israel nessa “guerra fantasma” contra os carregamentos de armas iranianas até Hezbollah passando pela Síria, o alvejar de drones iranianos, os ciberataques contra Teerã e as operações secretas dentro do Irã para expor, retardar e até aleijar o programa nuclear iraniano.

Esses Estados árabes podem não desejar, necessariamente, estar diretamente envolvidos no confronto nuclear entre Israel e Teerã. Mas alguns já foram abatidos por ataques e drone e mísseis lançados pela milícia Houthis aliada do Irã no Iêmen, e Israel parece muito mais disposta e capaz de ajudar a conter esses ataques do que uma Washington focada nos registros de direitos humanos dos líderes árabes. Então, um dos resultados mais concretos da Cúpula do Neguev, de acordo com fontes israelenses, é que as partes agora estão trabalhando em um pacto regional de defesa aérea para lidar melhor com a ameaça de mísseis e drones do Irã e suas milícias representantes.

A Resistência
Outra indicação do significado da Cúpula do Neguev foi a onda de ataques terroristas solitários em Israel, que parecem ter sido parcialmente inspirados por milícias árabes sunitas radicais, como a ISIS. Uma série de três grandes ataques em Berseba, Hadera e Bnei Brak reivindicou 11 vidas em apenas uma semana. Muitos conectaram esses ataques ao início do Ramadã, mas eles parecem ser mais um caso de raiva, pelo fato dos líderes árabes sunitas estarem normalizando relações com Israel.

As Terríveis Perspectivas
A Cúpula do Neguev também ocorreu sob o espectro da guerra na Ucrânia e as lições gritantes desse conflito para esta região não foram perdidas pelas partes. Observando os EUA e a OTAN optarem por permanecer de fora de uma guerra direta com a Rússia, lembrou aos aliados de longa data dos EUA no Oriente Médio que eles precisam estar preparados para se defender por conta própria.

Até agora, os Estados do Golfo Pérsico estiveram preocupados com a ameaça balística do Irã de mísseis e drones, mas – ao contrário de Israel – eles não viram, necessariamente, a crescente ameaça nuclear iraniana como dirigida diretamente a eles. Apesar de tudo, agora vimos o massacre e destruição que um regime enlouquecido pode inflingir quando está operando sob o guarda-chuva de uma ameçada nuclear plausível. A mera menção de Vladimir Putin de uma opção nuclear manteve as tropas americanas e da OTAN à distância e deu muito mais liberdade de ação às forças russas para arrasar cidades ucranianas. Isso pede uma pergunta: Quanto mais dano e destruição reginal o Irã poderia causar com seus mísseis e drones se também fosse capaz de empunhar um arsenal nuclear?